1 EVOLUÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DOS ANIMAIS E SEUS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O objetivo do presente capítulo é elucidar quanto a evolução histórica da natureza jurídica dos animais e seus direitos fundamentais.
Antes de entrar no mérito da questão, imperioso destacar como e por quais motivos ocorreram essa grande evolução jurídica no que tange os animais, demonstrando as primeiras legislações que deram início aos animais no mundo jurídico.
Noutro ponto, insta ressaltar que, antigamente, os direitos fundamentais dos animais de estimação eram praticamente nulos, e atualmente, além de contarem com diversos direitos que visam sua proteção, também podem ser considerados sujeitos de direito.
1.1 Evolução Histórica e jurídica no mundo
De maneira revolucionária à época, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 1948, a “Declaração Universal dos Direitos dos Homens” que prevê em seus artigos 1º e 3º “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direito” e “Todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).
Essa Declaração serviu como estopim para a criação de outros institutos de suma importância para a evolução mundial e social.
Todos esses conceitos foram evoluindo ao longo de toda a história, com a promulgação dos direitos dos refugiados em 1951, a eliminação da discriminação racial em 1965, convenção americana sobre direitos humanos (Pacto de São José da Costa Rica) em 1969, declaração universal dos direitos dos animais em 1978 e o reconhecimento dos direitos das mulheres em 1993.
Vê-se que houve, portanto, uma evolução histórica por fases, de acordo com a necessidade à época dos fatos.
A “Declaração Universal dos Direitos dos Animais”, promulgada em 1978, da qual o Brasil é signatário, foi a legislação pioneira no que tange os direitos dos animais, sendo reconhecida, na época, a proibição dos maus-tratos, inclusive, criou-se uma tipificação penal em caso de morte sem necessidade, cujo crime era intitulado como “biocídio”, além de reconhecer que os animais possuem direitos (UNESCO, 1978).
Nesse condão, em todo o ordenamento jurídico, o direito à vida é considerado o direito fundamental mais importante de toda evolução, eis que se trata de pré-requisito para a existência dos demais direitos, garantindo o dom da vida às pessoas sem qualquer distinção.
Sobre o tema, Costa (2018, p. 89) disserta:
O modelo do paradigma atual é o biocentrismo, originado a partir da ética da vida, na qual todo ser vivo está incluído. A vida é considerada o bem maior, “dentro” da qual está o ser humano, não como espécime superior, mas como parte.
Biocentrismo, para Pereira (2019) citando Boff (2010) é:
uma concepção, segundo a qual todas as formas de vida são igualmente importantes, não sendo a humanidade o centro da existência. O biocentrismo foi proposto como um antônimo ao antropocentrismo, que é a concepção de que a humanidade seria o foco da existência.
Nota-se, portanto, que a evolução histórica dos direitos dos animais iniciou-se com a promulgação de leis que visavam a proteção de sua vida, sendo o direito fundamental mais importante tanto na esfera humana, quanto para os animais. Sacramentando o direito à vida aos animais, abriu-se possibilidades para discussões sobre outros direitos fundamentais, como à dignidade, moradia, etc.
1.2 Evolução histórica e jurídica no Brasil
Com relação ao Brasil, pode-se dizer que o início da proteção animal se deu em 1886, em São Paulo, com a Resolução nº 136, que, em alguns trechos observa-se o começo da proibição de maus tratos aos animais, entretanto essas proibições tinham como viés a segurança e moralidade do município e não especificamente a proteção à vida ou dignidade do animal. (RESOLUÇÃO 136, 1886).
Em 1895, com a aprovação da Lei Municipal Paulista nº 183, não se tratava mais sobre segurança e moralidade do município, e sim, especificamente, à proteção animal (Lei nº 183, 1895).
Assim, o artigo 1º da Lei Municipal Paulista nº 183 previa:
Art. 1º – São expressamente prohibidos todos os abusos, maus tratos e quaisquer actos de crueldade ou de destruição, inutilmente praticados contra animaes em geral.
O artigo 3º trazia um rol do que era considerado abusos e maus tratos, estipulando penas aos que cometessem esse novo tipo de crime.
Posteriormente, saindo do âmbito municipal e estadual, o Decreto nº 24.645/1934, assinado pelo então presidente Getúlio Vargas, foi um dos grandes percursores da proteção animal no país (Decreto nº 24.645, 1934).
O decreto estabeleceu medidas de proteção, impondo multa e aplicação da pena de prisão, além de determinar que os animais poderiam ser representados pelo Ministério Público, declarando, de forma tácita, que os animais seriam portadores de direitos, conforme se vê:
Art. 1º Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado.
Art. 2º Aquele que, em lugar público ou privado, aplicar ou fizer aplicar maus tratos aos animais, incorrerá em multa de 20$000 a 500$000 e na pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o delinquêntes seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da ação civil que possa caber.
§ 1º A critério da autoridade que verificar a infração da presente lei, será imposta qualquer das penalidades acima estatuídas, ou ambas.
§ 2º A pena a aplicar dependerá da gravidade do delito, a juízo da autoridade.
§ 3º Os animais serão assistidos em juízo pelos representantes do Ministério Público, seus substitutos legais e pelos membros das sociedades protetoras de animais.
Com esse marco histórico, viu-se, então, a necessidade de agravar mais ainda as penas impostas a quem maltratasse os animais. E foi então aprovada a Lei nº 3.688/1941, denominada como Lei das Contravenções Penais, que em seu artigo 64 disponha (Lei das Contravenções Penais, 1941):
Art. 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:
Pena – prisão simples, de dez dias a um mês, ou multa, de cem a quinhentos mil réis.
§ 1º Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.
A Lei nº 5.197/1967, denominada como Lei de Proteção à Fauna veio para adentrar mais ao mérito dos direitos dos animais, proibindo a caça e, principalmente, burocratizando diversas diretrizes para fins de proteção à fauna silvestre brasileira (Lei de Proteção à Fauna, 1967).
Depreendendo-se sobre a importância da vida dos animais não humanos, a Constituição Federal, promulgada em 1988, surgiu para sacramentar o reconhecimento dos direitos dos animais, assegurando-lhes os direitos fundamentais e regulamentando a proteção ao meio ambiente, sendo um aglomerado das normas anteriores, porém mais eficazes, valendo destacar o que elucida o inciso VII do art. 225 (Constituição Federal, 1988):
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (Constituição Federal, 1988).
Discorrendo sobre a Constituição Federal, Jaqueline dos Santos Silva (2018, p. 7)
[…] denota-se com isso que a intenção propriamente da CF é estabelecer, além das normas de direitos e garantias fundamentais, a proteção do bem-estar humano, colocando-se como fator a atingir o referido objetivo, o zelo pelo meio ambiente, incluindo nessa finalidade os animais, quando veda a submissão destes a crueldade, colocando tais disposições como fundamentais para se propiciar uma vida humana digna.
Para fortificar a proteção aos animais, em 1998 entrou em vigor no Brasil a Lei de Crimes Ambientais, que, em suma, prevê sanções penais àqueles infratores de maus-tratos. (Lei de Crimes Ambientais, 1998).
Posteriormente, no meio de tantos projetos de leis que infelizmente não se tornaram lei de fato, o projeto nº 1.095/2019 foi sancionado e tornou-se a Lei nº 14.064/2020, cujo objetivo é justamente alterar a trechos da Lei de Crimes Ambientais para majorar a pena de quem “praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (Lei nº 14.064, 2020).
Nesse diapasão, Aguiar (2018, p. 9) discorre:
O homem, enquanto espécie animal, não pode atribuir-se o direito de exterminar outros animais ou explorá-los, violando este direito. Ele tem o dever de colocar sua consciência a serviço de outros animais. Cada animal tem o direito à consideração e à proteção do homem; e principalmente, o artigo 14 dispõe que as associações de proteção e de salvaguarda dos animais devem ter uma representação junto ao governo. Os direitos animais devem ser defendidos por leis, como os direitos humanos
Para demonstrar o crescimento da população de animais de estimação no Brasil, o IBGE realizou uma pesquisa em 2013, e constatou que, naquela época, as casas em que havia animais de estimação era superior a 132 milhões, sendo: 52,2 milhões de cães, 37,9 milhões de aves, 22,1 milhões de gatos, 18,0 milhões de peixes e 2,21 milhões intitulado como outros, que seriam os répteis e pequeno mamíferos. Assim, com esses dados, verificou-se que o Brasil ocupava o 4º lugar em número de animais de estimação do mundo.
Com dados mais recentes, a ABINPET verificou que, em 2019, a população de animais no Brasil chegou a 144,3 milhões.
Nota-se, nesses moldes, que não só houve uma evolução jurídica para os animais, quanto a própria sociedade passou a ser mais acolhedora, adotando animais de estimação como parte da família.
Certo é dizer que a criação de leis cada vez mais rigorosas que visam a proteção animal é paralelo ao crescimento da população animal na sociedade e nas casas das pessoas, bem como pela maneira como as são tratados e considerados, cujo sentimento pelos maus tratos é dotado de repulsa e indignação social.
1.3 Natureza Jurídica dos animais
A principal discussão é relativa à natureza jurídica dos animais, havendo divergências claras a esse respeito.
Inicialmente, importante destacar que se divide na conceituação de que os animais são coisas, bens móveis, objetos de direitos ou sujeitos de direitos.
Importante elucidar que coisa, para Rodrigues (2003, p. 116) “é tudo que existe objetivamente, com exclusão do homem”. Nesse mesmo sentido, Diniz (2012, p. 362-363) diz que, para conceituar coisa, indispensável a presença de idoneidade para satisfazer a um interesse econômico, gestão econômica autônoma e subordinação jurídica ao seu titular.
O próprio Código Civil (2002), em seu artigo 445, §2º, dispõe:
Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.
§ 2o Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.
Essa visão do legislador que os animais são coisas é clara quando ele utiliza os termos “se a coisa for móvel” e “vícios ocultos”, como se os animais pudessem ser “defeituosos”.
Corroborando com isso, têm-se, ainda, na “Sessão V – Do Penhor Rural” do mesmo Diploma Legal, os artigos 1.442, 1.444, 1.446 e 1.447, que prevê que os animais podem ser objetos de penhor, retirando-se a autonomia do animal e considerando os animais como meros objetos de propriedade.
Revolucionando, Sotto-Mayor e Ribeiro (2014, p. 454) esclarecem:
No direito comparado, os movimentos de defesa dos animais tiveram repercussões no estatuto dos animais nos códigos civis, o que levou a que deixassem de integrar a noção de coisa e tivessem passado a ser vistos como criaturas com sensibilidade, como sucedeu em 1988, na Austria, em 1990, na Alemanha, e em 2002, na Suíça.
Assim, a conceituação de animal como coisa é, precipuamente, para atender necessidades humanas.
Noutro norte, bens móveis, para o Código Civil (2002), são considerados como “bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social” (art. 82).
Nesse ponto, insta salientar que há em trâmite o Projeto de Lei nº 3.670/2015 que visa alterar trechos específicos do Código Civil para determinar que os animais sejam considerados como bens móveis para os efeitos legais.
Noutro ponto, Souza (2014) defende que os animais seriam objetos de direito, eis que a lei se destina, precipuamente, aos homens.
Por analogia aos Princípios Gerais do Direito, o que podemos interpretar é que tal medida protetiva que a legislação oferece aos animais é baseada numa ética humana e não em uma ética animal. Afinal, a criminalização de condutas que atentem contra a integridade física da fauna parte de um ponto de vista valorativo social. É que tais condutas vão de encontro com os princípios morais da sociedade. O posicionamento é ratificado pela própria postura antropocêntrica da lei que se destina somente ao homem, não incluindo os animais. Nesta perspectiva infere-se que o ordenamento jurídico considera os animais como objetos do direito.
Corroborando com esse entendimento, Bechara (2003, p. 72), citada por Abdalla (2007, p. 42) discorre:
Por mais que esta visão tenha uma aparência egoísta, somos obrigados a reconhecer que o nosso ordenamento jurídico não confere direitos à natureza, aos bens ambientais. São eles, dessa forma, tratados como objetos de direito, não como sujeitos. São objetos que atendem a uma gama de interesses dos sujeitos – os seres humanos.
Por fim, com uma visão futurista, Bobbio (2004, p. 79) destaca para o avanço de reconhecimento de novos sujeitos como sujeitos passivos, entretanto, sem direito:
Olhando para o futuro, já podemos entrever a extensão da esfera do direito à vida das gerações futuras, cuja sobrevivência é ameaçada pelo crescimento desmesurado de armas cada vez mais destrutivas, assim como a novos sujeitos, como os animais, que a moralidade comum sempre considerou apenas como objetos, ou no máximo, como sujeito passivos, sem direito.
Vê-se que a evolução histórica-social do mundo é propícia para o reconhecimento dos direitos dos animais, que cresce cada vez mais.
Nesse passo, para fins de conceituar sujeito de direito, Coelho (2003, p. 138) afirma que:
é o centro de imputações de direitos e obrigações referidos em normas jurídicas com a finalidade de orientar a superação de conflitos de interesses que envolvem, direta ou indiretamente, homens e mulheres. Nem todo sujeito de direito é pessoa e nem todas as pessoas, para o direito, são seres humanos.
A contrariedade na concepção dos animais de estimação como sujeitos de direitos pauta-se, precipuamente, no ideal de que os animais não possuem vontade própria e nem podem ser comparados com humanos. Nesse passo, Chalfun (2010, p. 226) refuta:
A categoria do mínimo existencial abrange também os animais não-humanos, visto que também eles perseguem uma vida boa, têm necessidades básicas, dignidade. Ter uma existência condigna não é direito apenas dos humanos, mas sim de toda criatura. Ao homem compete não somente se abster de prejudicar, comprometer o mínimo existencial dos animais, mas assegurar, enquanto responsável, na guarda […] os bens imprescindíveis à vida digna.
Corroborando com a ideia do sentimentalismo do animal, Cardoso (2007, p. 132) defende que:
Não se pode ver como coisa seres viventes, pois tais elementos mostram a existência de vida não apenas no plano moral e psíquico, mas também biológico, mecânico, como podem alguns preferir, e vice-versa. O conhecimento jurídico-dogmático hoje encontra-se ultrapassado, não apenas em função de animais considerados inteligentes, mas sim em função de todos os seres sencientes, capazes de sentir, cada um a seu modo.
A ideia de que os animais não possuem direitos pelo simples fato de que não são humanos não deve prosperar, eis que possuem consciência e de certa forma são protegidos na esfera judicial.
Ainda, Dias (2007, p. 120) entende que:
O animal como sujeito de direitos já é concebido por grande parte de doutrinadores jurídicos de todo o mundo. Um dos argumentos mais comuns para a defesa desta concepção é o de que, assim como as pessoas jurídicas ou morais possuem direitos de personalidade reconhecidos desde o momento em que registram seus atos constitutivos em órgão competente, e podem comparecer em Juízo para pleitear esses direitos, também os animais tornam-se sujeitos de direitos subjetivos por força das leis que os protegem. Embora não tenham capacidade de comparecer em Juízo para pleiteá-los, o Poder Público e a coletividade receberam a incumbência constitucional de sua proteção. O Ministério Público recebeu a competência legal expressa para representá-los em Juízo, quando as leis que os protegem forem violadas. Daí poder-se concluir com clareza que os animais são sujeitos de direitos, embora esses tenham que ser pleiteados por representatividade, da mesma forma que ocorre com os seres relativamente incapazes ou os incapazes, que, entretanto, são reconhecidos como pessoas.
De modo a criticar a ausência de regramento específico, principalmente, pela confusão do Poder Judiciário quanto à mera classificação da natureza jurídica dos animais, Chalfun (2016, p. 74) preconiza:
A legislação brasileira confere confusa e polêmica natureza jurídica aos animais, o que não contribui para a evolução do tema, notadamente no que tange ao aspecto civilista e penal do ordenamento jurídico. Mas um olhar constitucional que veda crueldade, e otimista, há que prevalecer, pois a questão animal vem conquistando novos adeptos e possibilidade de mudanças legais, além de decisões mais favoráveis, anseio da sociedade e atuação da mídia.
Portanto, até hoje, não há um entendimento uniformizado no que se refere à classificação da natureza jurídica dos animais ante a clara confusão do próprio poder público, entretanto, a classificação quanto sujeito de direitos vêm crescendo cada vez mais ao passo que o mundo evolui e o pensamento retrógado de animais como meros objetos se substitui para o ideal de que, por afeto, faz parte da família.
2 FAMÍLIA MULTIESPÉCIE
A conceituação de família sempre foi bastante problemática diante das divergências de crença política, social e muitas vezes religiosa. Entretanto, não se pode olvidar que esse entendimento evoluiu ao passo em que reconhecida a pluralidade de famílias.
Na visão de Madaleno (2018, p. 44):
Embora seja verdade que a Constituição Federal foi revolucionária ao expandir o conceito oficial de família e permitir o reconhecimento de outros modelos de relação familiar que não fossem obrigatoriamente ligados ao casamento, e diante dessa realidade estender à união estável e à família monoparental o mesmo braço protetor destinado ao matrimônio (CF, art. 226), não é possível desconsiderar a pluralidade familiar e de cujo extenso leque o Estatuto da Criança e do Adolescente, com a incorporação dessa filosofia pluralista, reuniu em texto escrito o reconhecimento oficial de diferentes modelos de núcleos familiares.
Assim, o conceito de família antes definido como aquela composta por pai, mãe e filho, agora pode ser ampliado, tornando-se defasada e descontruída toda a ideia de família tradicional.
E nesse sentido, Dias (2019), citada por Tejero (2021, p. 41) salienta:
O direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico ao afeto. (…) as relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por mais complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigência, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência de em dar e receber amor.
Nesse prisma é que se verifica que o conceito de família leva em consideração o afeto, e a pluralidade de núcleos familiares, vale destacar que, em razão de toda a mudança histórica-social das relações entre humanos e animais, iniciou-se o entendimento da possibilidade de uma família ser integrada por animais de outra espécie.
Nesses termos, Rosa (2019, p. 203) enfatiza:
[…] na mesma dinamicidade que a vida requer, paulatinamente, as varas de família passaram a reconhecer aquilo que para muitos leitores pode ser uma realidade, qual seja, de que animais de estimação passaram a ser considerados como integrantes das famílias.
Essa união familiar entre humanos e animais é denominada como família multiespécie, cujo conceito, segundo Faraco (2008, p. 37-40), pode-se considerar como um grupo familiar que reconhece ter como seus integrantes pessoas e animais de estimação em convivência respeitosa.
Entretanto, importante frisar que o fato de haver um animal dentro de casa não caracteriza, por si só, o conceito de família multiespécie, pois é necessário o laço afetivo e intimidade, requisitos esses indispensáveis à caracterização.
O laço afetivo se dá pelo vínculo sentimental que existe de forma igualitária no humano e no animal. É um sentimento de carinho e amor e cuidado, ou seja, há de ter o pensamento e o tratamento do animal como efetivamente um filho.
Por conseguinte, exclui-se do conceito família multiespécie aqueles que, muito embora tenham animal de estimação, não o tratam com respeito, mas tão somente como mero animal, mesmo que disponha de alimentação e cuidado, não existe o laço afetivo, isto é, o sentimento de criação como filho.
Dispondo sobre os benefícios de convivência entre humanos e animais, Faraco (2008, p. 14) exemplifica:
Na clínica, vi muitas pessoas dizerem, espontânea e entusiasticamente, sobre seu sentimento de amor por seus animais de companhia, afirmando que se sentem próximos a eles e os consideram membros significativos da família. Estes fenômenos sociais, frequentes na contemporaneidade, têm sido um dos focos de investigações da Antrozoologia. Os resultados de pesquisas apontam inúmeros benefícios físicos e psicológicos para os humanos que compartilham suas vidas com os animais de companhia: redução na pressão sanguínea, na frequência cardíaca, modulação em eventos estressores, redução de sentimentos de isolamento social, auxílio em estados depressivos e incremento na autoestima.
Visando explicitar a historicidade dessa mudança, Lima (2015) citada por Kellerman e Migliavacca (2018, p. 22), diz:
A ideia de que cães e gatos fazem parte da família é um fenômeno recente que, no Brasil, remete ao final do século XX, momento em que as funções de guarda e controle de pragas, tradicionalmente atribuídas a essas espécies, perdem importância em relação à função de companhia. Esse fenômeno foi, em grande medida, resultado da popularização das raças de cães de pequeno porte no país, a partir do qual, nas classes média e alta, os animais de estimação passaram a dividir os espaços de convivência íntima e os mais variados momentos da rotina familiar.
Oliveira (2006, p. 39) leciona sobre a razão pela qual ocorreu essa aproximação entre humano e animal até o momento em que considerados como filhos:
Devido à instabilidade dos casamentos, o número de nascimentos de crianças nas classes médias diminuiu, aparecendo o cão como mediador entre o casal, muitas vezes no lugar da criança. A dificuldade de relacionamento entre as pessoas faz com que o animal seja um elemento com grande potencial de proporcionar afetividade sem produzir prejuízos ou risco
Tratando-se de fenômeno recente, é ilógico não pensar que essas mudanças se isentariam de discussões jurídicas, principalmente pelo fato de o mundo jurídico ter que se adequar às necessidades impostas pela sociedade.
Soares (2018) dispõe:
A relevância do surgimento deste novo arranjo familiar é de tamanha importância que muitas pessoas, sejam oriundas de uniões estáveis ou de uniões matrimoniais, estão optando por não ter descendentes, dando lugar aos “filhos” de quatro patas, bem como os donos e tutores estão sendo substituídos por “mães”, “pais”, “irmãos”, “tios”, de acordo com a extensão da família.
E prossegue demonstrando a necessidade do poder estatal em defender esses ideais:
Cumpre ao Direito, desta forma, adequar-se a essa nova modalidade de entidade familiar que vem cada vez mais ganhando espaço nos lares, sendo que este novo modelo, de igual forma, merece proteção estatal sucedendo delas, por consequência, efeitos jurídicos decorrentes de eventuais rupturas, de acordo com o tratamento a que é atribuído ao animal em questão, cuidando o tópico seguinte no que concerne a classificação existente aos animais, bem como a elevação do status de semovente até a condição de “filho”, em alguns casos.
Haja vista a presença cada vez maior do animal não humano dentro de uma sociedade e, principalmente, dentro dos lares, necessário se faz a intervenção do Estado para criar medidas visando a proteção dos animais.
E assim, com enfoque na necessidade de criação de um estatuto próprio para a família multiespécie, Chaves (2015) dispõe:
Diante da amplitude atual do conceito de família, do princípio da pluralidade familiar, da evolução dos direitos dos animais e do lugar que os bichos passaram a ocupar dentro dos grupos, com papéis tipicamente familiares bem definidos, entende-se que é possível a aplicação dessas regras, com as devidas adaptações. Impende, entretanto, ressaltar que é indispensável a criação de um estatuto próprio, diante de todas as peculiaridades que revestem a relação entre humanos e animais de companhia.
Essa ausência de dispositivos legais específicos à causa, é causa impeditivas de julgar a ação de modo uniforme, sendo imprescindível a utilização da interpretação jurídica e a analogia, ou seja, utilizar as leis existentes que protegem o direito aos filhos e utilizá-las para o caso dos animais.
Acerca do instituto da analogia, Valle (2018 p. 10) alega:
A ausência de normas tem obrigado os magistrados a utilizarem a analogia para resolver as divergências de guarda dos animais com o término das relações familiares. A possibilidade de utilização da analogia como uma das técnicas de integração de normas visa diminuir significativamente situações que poderiam não ter respaldo judicial; é necessário um profundo estudo por parte do magistrado do caso concreto, para que a aplicação da analogia ocorra de forma correta, pois serão levadas em conta as necessidades psíquicas dos envolvidos e as necessidades básicas condizentes à manutenção da vida do animal.
Por fim, também defendendo a necessidade de normativas específicas, Chaves (2015) conclui:
Espera-se, portanto, que em um futuro não distante, as relações entre as pessoas e os membros não humanos das entidades familiares possam ser tuteladas pelo Direito de forma específica e coerente, tecnicamente precisa e harmonizada com a atual feição dessas vinculações. A proposta é um afastamento da ideia de propriedade pura e simples, mas também se levando em consideração todas as idiossincrasias e originalidades de uma relação entre animais e seres humanos.
Diante dessa conjuntura, onde nota-se que os animais de estimação se equiparam aos filhos, havendo até a nomenclatura da família multiespécie, torna-se evidente a necessidade da criação de um estatuto próprio que regulamente toda essa situação que envolvem os animais, principalmente, no que tange à guarda em caso de dissolução matrimonial.
3 DISSOLUÇÃO MATRIMONIAL
Previamente à discussão de guarda, visitas e alimentos dos animais, imperioso destacar em que momento se inicia essas discussões: na dissolução matrimonial.
Conforme leciona Dias (2015, p. 13), no Código Civil de 1916 apenas existia o rompimento do casamento pelo desquite, que cessava os deveres matrimoniais, mas não dissolvia o vínculo matrimonial, ou seja, havia proibição expressa de casar-se novamente.
Nesse modelo, as uniões que ocorriam após o desquite eram denominadas como concubinato e não gerava o direito aos alimentos, partilha e tampouco à herança, eis que só o casamento possuía essas “regalias”.
No mais, afirma que, muito embora este instituto tenha trazido muitas discussões, principalmente, pelo fato de a Igreja católica ter sido predominante na sociedade, em 1977, foi aprovada a Lei nº 6.515/77, denominada como Lei do Divórcio, que alterou significativamente a forma como o Poder Judiciário iria tratar o fim do vínculo decorrente do matrimônio, além de proteger o direito das mulheres dentro do relacionamento e após o término (DIAS, 2015, p. 102).
Esta lei previa a possibilidade de os casados adentrarem com requerimento de separação judicial e, transcorrido 2 anos do decreto da separação, poderiam ajuizar a conversão de separação em divórcio.
Posteriormente, a promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe uma proteção constitucional para os divórcios, que previa em seu §6º do artigo 226: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.”
Outro ponto importante é o reconhecimento da união estável pela Lei nº 9.278/1996, que conceitua em seu artigo 1º que a união estável é a entidade familiar, cuja convivência seja duradoura, pública e contínua, com objetivo de constituição de família.
Em 2010, com uma evolução histórica, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 66/2010, cuja proposta era acabar com o prazo estabelecido para a decretação do divórcio, visando uma maior celeridade. A Emenda Constitucional alterou o artigo 226, §6º para vigorar: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.
Essa alteração foi o grande marco para considerar a vida das pessoas como privativa, sem necessidade de intervenção do Estado nas escolhas pessoais de cada um, trazendo uma maior segurança jurídica às pessoas que queriam se divorciar independente do motivo.
E nesse sentido, Gonçalves (2015, p. 265) assevera:
Ora, se é direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna. É direito constitucional do ser humano ser feliz e dar fim aquilo que o aflige sem ter que inventar motivos. Desse modo, o direito de buscar o divórcio está amparado no princípio da dignidade da pessoa humana, nada justificando a resistência do estado, que impunha prazos e exigências a identificação de causas para pôr fim ao casamento.
Do mesmo modo, Dias (2015, p. 205) entende que “era absurdo forçar a manutenção do estado de casado, quando o casamento não mais existia. Ninguém pode ser obrigado a viver com quem não esteja feliz”.
Essa intervenção do Estado era considerada como forçosa e totalmente desconexa, tornando a aprovação da Emenda Constitucional 66/2010 uma grande vitória ao direito.
Destarte, no ordenamento jurídico brasileiro atual, essa dissolução pode ocorrer pelo divórcio ou pela dissolução da união estável.
Sobre o instituto do divórcio, Gagliano e Pamplona Filho (2019, p. 571) conceituam:
O Divórcio é a medida dissolutória do vínculo matrimonial válido, importando, por consequência, a extinção de deveres conjugais. Trata-se, no vigente ordenamento jurídico brasileiro, de uma forma voluntária de extinção da relação conjugal, sem causa específica, decorrente de simples manifestação de vontade de um ou ambos os cônjuges, apta a permitir, por consequência, a constituição de novos vínculos matrimoniais.
Venosa (2017, p. 41) preconiza:
O casamento é o centro do direito de família. Dele irradiam suas normas fundamentais. Sua importância, como negócio jurídico formal, vai desde as formalidades que antecedem sua celebração, passando pelo ato material de conclusão até os efeitos do negócio que deságuam nas relações entre os cônjuges, os deveres recíprocos, a criação e assistência material e espiritual recíproca e da prole etc.
Enquanto que, para o divórcio há necessidade preliminar de um casamento, isto não ocorre com a união estável, eis que não há uma formalização dessa União, seja no âmbito civil quanto no âmbito religioso.
Ou seja, a união estável é a união de pessoas, vivendo como se casados fossem, mas sem a concretização do processo de habilitação. Não há um registro de casamento.
Visando afastar eventual semelhança entre esses institutos, Medeiros (2011, p. 22), explicita que, conforme a Constituição Federal, é fácil perceber que a união estável não se equipara ao casamento.
Assim, Gagliano e Pamplona Filho (2019, p. 472) elencam os requisitos para a caracterização da união estável, que difere do divórcio
Sistematizando nosso conceito, podem ser apontados os seguintes elementos caracterizadores essenciais da união estável na sociedade brasileira contemporânea: a) publicidade (convivência pública), em detrimento do segredo, o que diferencia a união estável de uma relação clandestina; b) continuidade (convivência contínua), no sentido do animus de permanência e definitividade, o que diferencia a união estável de um namoro; c) estabilidade (convivência duradoura), o que diferencia uma união estável de uma “ficada”; d) objetivo de constituição de família, que é a essência do instituto no novo sistema constitucionalizado, diferenciando uma união estável de uma relação meramente obrigacional.
Em razão da discussão sobre a fixação de guarda, visitas e alimentos serem posteriores à dissolução matrimonial, imprescindível o entendimento. Portanto, vê-se que o divórcio é a dissolução matrimonial oficial, enquanto, a dissolução da união estável é o encerramento do vínculo amoroso.
Noutro ponto, frise-se que ambos os institutos estão protegidos no que tange aos alimentos, à partilha de bens e à guarda. E nesse nexo, que entra a discussão dos animais de estimação.
Após a extinção do vínculo seja pelo divórcio ou pela união estável, o Código Civil apenas prevê as discussões de guarda e visitas para os respectivos filhos humanos e, se o caso, ao cônjuge e sobre alimentos aos filhos humanos. Nesse passo, há de pensar sobre a situação do animal de estimação.
4 DIREITO DE VISITAS E GUARDAS DOS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E A INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA
Diante de toda a discussão sobre a possibilidade de o animal ter ou não seus direitos fundamentais protegidos, imperioso salientar as lições de Aguiar (2018, p. 25):
É importante frisar, que, ao se falar na efetivação dos direitos dos animais não significa deixar de lado o direito dos homens, mas é também, e porque não, a maneira de exercermos um de nossos direitos mais basilares que é o de fazer justiça.
Noutro ponto, uma vez reconhecido os direitos fundamentais aos animais, importante discorrer sobre eventual discussão de guarda e visitas.
Diante disso, inicialmente insta ressaltar que, para a ocorrência da discussão acerca desses institutos das visitas e guarda dos animais, imprescindível que tenha havido a dissolução matrimonial, seja pelo divórcio ou pela dissolução da união estável.
Nesse sentido, há muitas questões delicadas às partes em uma dissolução matrimonial, tanto no aspecto individual pessoal, quanto nas questões jurídicas, principalmente, quando há envolvimento de filhos. Nesse prisma, é comum os animais de estimação da família entrarem em discussão para definir quem ficará com a guarda desse animal.
Isso se dá pelo fato de o animal ser cada vez mais tratado e considerado como filho, havendo moradia, alimentação, carinho, cuidado e afeto.
Sabe-se, no entanto, que o ordenamento jurídico brasileiro se encontra em constante alteração para fins de adequar-se às mudanças ocorridas na sociedade.
Nesse sentido, têm-se que, com a crescente aproximação de animais e humanos em uma relação de afeto, criou-se a necessidade de alterações legislativas sobre o tema, fazendo com que os animais fossem cada vez mais protegidos dentro do ordenamento jurídico.
Nesse nexo, fazendo um parâmetro com os princípios norteadores do direito, principalmente no que concerne à Constituição Federal, Larissa Lopes Moreira da Costa (2016, p. 13) leciona:
Entende-se que a composição de guarda voltada para os animais presenta alguns princípios orientadores para aplicação ao caso concreto, como é o caso do princípio da Igualdade entre os cônjuges, com previsão legal nos artigos 5º e 226, §5, ambos da Constituição Federal, que trabalha com a igualdade de direitos e obrigações existentes entre homens e mulheres, sendo considerada uma profunda transformação no direito de família. No caso da guarda dos animais, esse princípio trabalha com a igualdade de direitos existente entre os donos o animal de estimação. Outro princípio norteador nos casos em analise, é o princípio da liberdade familiar que trata do livre poder de escolha de constituição, realização e extinção da entidade familiar. Esse princípio em casos de guarda de animais será essencial, pois irá guiar o entendimento de que qualquer forma de composição familiar, hoje em dia, será válida podendo admitir a inserção dos animais nesse seio. O princípio da afetividade, que apesar de não está expresso na Carta Magna, é um princípio implícito da dignidade da pessoa humana, e de grandiosa expressividade no direito de família, pois o afeto está intimamente ligado à família, seus vínculos e a relação que envolve o amor. Os princípios servem de orientação bem como limitação na atuação os magistrados, porém é de máxima importância que este caso em específico, possua suas próprias leis disciplinando este assunto tão delicado e bastante atual.
Em decisão recente o Tribunal de Justiça do Estado de Paraná reconheceu a legitimidade e a capacidade dos cachorros Skype e Rambo serem partes em um processo movido em face de seus antigos donos.
De forma semelhante, é o que traz o Projeto de Lei nº 145/2021, de autoria do Deputado Eduardo costa, cuja proposta de ementa é disciplinar a capacidade de ser parte dos animais não-humanos em processos judiciais, sendo representados pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública ou por associações de proteção dos animais.
Uma vez reconhecido esses direitos, não há como compreender o porquê não há regramento jurídico acerca da fixação de alimentos ou até mesmo guarda e visitas em favor dos animais, haja vista que se encontram cada vez mais em discussão no poder judiciário.
Inclusive, tramitava e tramita na Câmara de Deputados diversos Projetos de Leis que visam regulamentar a situação jurídica dos animais no que concerne a guarda e eventual visitas.
Nesse sentido, importante destacar o Projeto de Lei nº 1.058/2011 de autoria do Dr. Ubiali, que previa dispor sobre a guarda dos animais nos casos de dissolução litigiosa e do vínculo conjugal entre seus possuidores.
Sobre ele, Aguiar (2018, p. 60) defende:
Nesse diapasão é irrefutável a premência da aprovação do referido projeto, uma vez que, em vigor, os magistrados estariam respaldados pela existência da lei e vinculados à sua aplicação. Evitar-se-ia aqui, o uso do juízo de discricionariedade desmedido, o descaso ou ausência de parâmetros para a solução de conflitos, e em maior grau, o ignorar, bem como o violar dos direitos que aqui devem ser efetivados, quais sejam: o de menor sofrimento, tratamento digno aos animais e aos seus tutores, e estes também, com seu direito de igualdade de condições assegurado através da viabilidade da guarda compartilhada (desde que seja a melhor alternativa a ser adotada no caso em concreto)
Entretanto, mesmo com forte apoio, o projeto foi arquivado em 31/01/2015, nos moldes do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, que prevê o arquivamento dos projetos após finda a legislatura do autor. Ou seja, se não houver julgamento até o fim do mandato do autor do projeto, não será mais discutido e em consequência, arquivado.
Importante mencionar também os Projetos de Lei nº 1.365/2015 de autoria do então deputado Ricardo Tripoli e o projeto nº 3.835/2015 de autoria do então deputado Goulart que, em projetos semelhantes, tentaram regulamentar sobre a guarda dos animais de estimação em caso de separação litigiosa de seus possuidores. Com seus trâmites legais, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania exarou seu parecer de aquiescência, alegando, em suma, ausência de vício constitucional e discorreu sobre a importância do tema para a sociedade atual, votando pela aprovação do Projeto nº 1.365/2015. Ocorre que, em semelhança ao nº 1.058/2011, os projetos também não foram aprovados em tempo hábil e tiveram seus arquivamentos decididos em 31/01/2019, também sob a fundamentação do artigo 105 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Por sorte, mesmo com ausência de regramento específico, há de ressaltar a possibilidade de utilização da interpretação analógica do caso, que, segundo Masson (2013, p. 111), é uma interpretação mais extensiva de uma norma já existente, sendo necessária quando há “uma fórmula casuística seguida de uma fórmula genérica”.
Na visão de Maximiliano (1994), citado por Almeida Neto (2002, p. 36), “a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição relativa a um caso semelhante”.
Com entendimento semelhante, Bobbio (2008), citado por Florence Haret (2010) enfatiza:
entende-se por “analogia” o procedimento pelo qual se atribui a um caso não-regulamentado a mesma disciplina que a um caso regulamentado semelhante. (…) A analogia é certamente o mais típico e o mais importante dos procedimentos interpretativos de um determinado sistema normativo: é aquele procedimento mediante o qual se manifesta a chamada tendência de todo sistema jurídico a expandir-se para além dos casos expressamente regulados.
Inclusive, a intepretação analógica encontra-se respaldada na Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro em seu artigo 4º (1942), que elucida que nos casos em que há omissão, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.
Assim, pode o juiz, no caso concreto, valer-se da legislação pertinente aos filhos do casal e aplicá-las ao animal.
Há de ressaltar, nesse momento, o entendimento da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que ao decidir sobre um agravo de instrumento, o relator José Rubens Queiroz Gomes assegurou a utilização da interpretação analógica:
Diante disso, pode-se dizer que há uma lacuna legislativa, pois a lei não prevê como resolver conflitos entre pessoas em relação a um animal adquirido com a função de proporcionar afeto, não riqueza patrimonial. Nesses casos, deve o juiz decidir “de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”, nos termos do art. 4º da Lei de Introdução às normas de Direito Brasileiro. Considerando que na disputa por um animal de estimação entre duas pessoas após o término de um casamento e de uma união estável há uma semelhança com o conflito de guarda e visitas de uma criança ou de um adolescente, mostra-se possível a aplicação analógica dos arts. 1.583 a 1.590 do Código Civil, ressaltando-se que a guarda e as visitas devem ser estabelecidas no interesse das partes, não do animal, pois o afeto tutelado é o das pessoas.
Nesse contexto, Chaves (2015) esclarece que, em caso de disputa judicial, o princípio do melhor interesse da criança deve estender-se ao animal de estimação:
Analogamente ao melhor interesse da criança, o melhor interesse do pet é um conceito jurídico indeterminado, que deverá ser materializado pelo juiz na análise dos elementos do caso concreto, sempre em busca do bem-estar do animal em causa. Entretanto, pode-se indicar, ainda que genericamente, alguns vetores para a sua concretização, como: condições de vida; frequência que a pessoa irá interagir com o animal, presença de outros animais ou crianças no lar, e a afeição dirigida ao animal. O melhor interesse do animal será alcançado levando-se em consideração o seu bem-estar, em duas vertentes: o físico e o psicológico.
No mesmo entendimento, Teixeira e Ximenes (2017, p. 82-83) dissertam:
[…] o melhor interesse do animal deve ser observado pelo juiz no caso concreto, analisando as condições de vida, a disponibilidade da pessoa para cuidar do animal, afeição, entre outros fatores. A aplicação desse princípio deve ser baseada em considerar que os animais são seres sensíveis, que possuem sentimentos e retribuem o afeto aos seus donos […].
Em sentido totalmente contrário e assim demonstrando a fragilidade e confusão que pairam os órgãos julgadores, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao analisar um caso que discutia sobre visitas dos animais, decidiu, em 2018, que:
Não se pode ignorar haver uma evidente distinção entre os animais de estimação e os demais bens, pois a relação de afeto faz dos animais com os quais o ser humano mantém relacionamento próximo – como, por exemplo, no recesso do recinto da residência – bens especiais que desafiam um tratamento jurídico diferenciado. Entretanto, não se pode negar que tais bens se submetam às regras do direito de propriedade, sempre interpretadas à luz do sujeito do direito, o homem, sendo o animal o objeto da relação. […]. Nesse passo, não se pretende aqui humanizar o animal, tratando-o como pessoa ou sujeito de direito. […]. Também não há se efetivar-se alguma equiparação da posse de animais com a guarda de filhos. Os animais, mesmo com todo afeto merecido, continuarão sendo não humanos e, por conseguinte, portadores de demandas diferentes das nossas.
Ao entender que, muito embora haja a possibilidade de fixação de visitas, não há equiparação da posse de animais com a guarda dos filhos, vê-se que ainda há entendimentos de que os animais não possuem direitos e são tratados como “coisas” diante do claro termo de posse da decisão.
Destarte, resta claro que, por conta do afeto criado para com os animais, que, inclusive, tornaram-se como filhos na visão de algumas pessoas, a ausência de regramento específico que regulamente as situações dos animais não pode ser motivo suficiente para o indeferimento do pleito ou não reconhecimento dos direitos aos animais, devendo o magistrado aplicar, no que couber, o entendimento analógico para estender os efeitos do que preconiza o Código Civil juntamente com a Constituição Federal acerca dos filhos humanos aos filhos animais.
4.1 Tipos de guardas concedidas após o divórcio ou a dissolução da união estável
O Código Civil prevê que a guarda será unilateral ou compartilhada, conceituando a primeira forma como a atribuição da guarda a um dos genitores, ou alguém que o substitua, e a segunda forma como a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não viva sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns, sendo necessária a divisão de forma equilibrada para os pais, observando-se os interesses dos filhos (art. 1.583).
Sobre a guarda compartilhada, Nick (1997, p. 135) enfatiza:
O termo guarda compartilhada ou guarda conjunta de menores (“joint custody”, em inglês) refere-se à possibilidade dos filhos de pais separados serem assistidos por ambos os pais. Nela, os pais tem efetiva e equivalente autoridade legal para tomar decisões importantes quanto ao bem estar de seus filhos e freqüentemente tem uma paridade maior no cuidado a eles do que os pais com guarda única (“sole custody”, em inglês). […] A contribuição do conceito de guarda compartilhada me parece que pode ser dividida em 3 ângulos: 1 – legislativo; 2 – social; e 3 – psicológico. Dentro do plano legislativo, a guarda compartilhada permite ao juiz ter em mãos um dispositivo legal para propor um máximo de união dos pais em torno do cuidado aos filhos, além de remetê-los à importância que ambos têm para suas crianças. Socialmente, teríamos mais um reforço à idéia do “shared parenting”, uma vez que é inegável a contribuição da ordem jurídica na mudança dos costumes
Compreende-se, portanto, que a guarda compartilhada é exercida pelos genitores de forma simultânea, cujas decisões tomadas para com os filhos devem ser de responsabilidade igualitária e conjunta.
Noutro norte, guarda unilateral é a fixação de guarda para um único cônjuge, enquanto o outro resta, tão somente, o direito às visitas.
Sobre a importância dessa guarda, eis que resguarda melhor o interesse do menor, leciona Gonçalves (2018, p. 139):
Tal modalidade apresenta o inconveniente de privar o menor da convivência diária e contínua de um dos genitores. Por essa razão, a supramencionada Lei n. 11.698/2008 procura incentivar a guarda compartilhada, que pode ser requerida por qualquer dos genitores, ou por ambos, mediante consenso, bem como ser decretada de ofício pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho.
Veja-se que, independentemente da modalidade de guarda, certo é que o objetivo principal é zelar pelo bem-estar e a proteção da pessoa incapaz, cuja capacidade de se proteger sozinha encontra-se prejudicada por fatores alheios, como a idade.
Com esse entendimento, Carbonera (2000, p. 35), de forma brilhante, assevera:
O ato de guardar indica que quem, ou o que, se guarda está dotado de pelo menos duas características básicas: preciosidade e fragilidade. É a existência de um valor que provoca nas pessoas a percepção da vontade de pôr a salvo de estranhos o que ter sob a sua guarda, com a intenção de não correr risco de perda
Compartilhando de raciocínio semelhante, Chaves e Rosenvald (2018, p. 695) asseguram:
Assim, o instituto da guarda precisa estar vocacionado a servir à proteção integral menorista, com o propósito de preservar a integridade fisiopsíquica de crianças e adolescentes, assegurando-lhes seu crescimento e desenvolvimento completo, à salvo de ingerências negativas que possam ser proporcionadas no âmbito patrimonial ou pessoal pela ausência, omissão, abuso ou negligência dos genitores ou responsáveis. A guarda, assim, compreendida a partir da normatividade constitucional deve cumprir uma importante função de ressaltar a prioridade absoluta do interesse menoril, contribuindo para evitar o abandono e descaso de pais ou responsáveis para com menores e para permitir-lhes um feliz aprimoramento moral, psíquico e social.
5 A FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PARA OS ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO
Não é só nas questões relativas à guarda que há discussão. A fixação de pensão alimentícia aos animais de estimação é objeto de grande estudo e debate, principalmente no que tange a (im)possibilidade de utilizar esse instituto aos animais não humanos.
Imperioso destacar o que elucida Dias (2019), citada por Tejero (2021, p. 66)
[…] quando o casal possui animais de estimação, no caso de separação restam a eles a responsabilidade na guarda de um deles e ao outro fica assegurado o direito de visitas. Também é possível a imposição de direitos de alimentos, visto que não só as pessoas possuem necessidade de sobrevivência.
Acerca desse instituto, imprescindível compreender que esse direito tem como objetivo, precipuamente, atender as necessidades de subsistência de quem compõe o núcleo familiar, e, para isso, há dois pilares indispensáveis à análise: A necessidade e a possibilidade.
E nessa linha, Cahali (2009, p. 16) preconiza:
Alimentos são pois, as prestações devidas, feitas para quem as recebe possa subsistir, isto é, manter sua existência, realizar o direito à vida, tanto física (sustento do corpo) como intelectual e moral (cultivo e educação do espírito, do ser racional). […] Constituem os alimentos uma modalidade de assistência imposta por lei, de ministrar os recursos necessários à subsistência, à conservação da vida, tanto física como moral e social do indivíduo
Portanto, em suma, os alimentos são imprescindíveis à mantença da pessoa que compunha o núcleo familiar em razão de uma dissolução matrimonial, e, por alguma razão, é incapaz de prover sua própria subsistência.
Citando o caráter social, Gonçalves (2018, p. 240) elenca que o “dever de prestar alimentos funda-se na solidariedade humana e econômica que deve existir entre os membros da família ou os parentes”
Dias (2015, p. 558) complementa:
Talvez se possa dizer que o primeiro direito fundamental do ser humano é o de sobreviver. E este, com certeza, é o maior compromisso do Estado: garantir a vida. Todos têm direito de viver, e com dignidade. Surge, desse modo, o direito a alimentos como princípio da preservação da dignidade humana.
Em razão do seu caráter alimentar, visando o direito à vida e à dignidade, inexiste motivos para o não reconhecimento desse direito aos animais, eis que também não possuem recursos para suprir sua própria subsistência.
E, nesse sentido, em 2018 a 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, proferiu decisão favorável à fixação alimentícia ao animal, onde determinou o pagamento no valor de R$ 1.050,00, fundamentando que pelo fato do casal ter adquirido vários animais à época da união estável, injusto e irrazoável que os custos destes ficassem apenas para a ex-companheira (GOIÁS, 2018).
Defendendo a fixação de alimentos aos filhos não humanos, Dias (2019) fez um parâmetro com os casos:
Fato é que após o vínculo entre duas pessoas se finalizar pelo divórcio (no casamento), pela dissolução (na união estável) ou simplesmente pelo afastamento (em qualquer outro relacionamento), eventualmente bens serão partilhados, fixado alimentos para os filhos e visitas
Em contraponto, importante ressaltar um entendimento contrário que, segundo a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (BRASIL, 2021):
Animais de estimação são desprovidos de personalidade jurídica, não sendo cabível receber pensão alimentícia em decorrência do divórcio de seus tutores. No entanto, é plausível a fixação de auxílio financeiro aos pets adquiridos na constância do casamento celebrado sob o regime de comunhão parcial de bens.
Mesmo reconhecendo o vínculo afetivo entre humanos e os animais em questão, o juiz de primeiro grau da ação discorreu:
[…] certo é que a legislação brasileira não prevê o pagamento de pensão alimentícia para animais de estimação, conforme já dito, razão pela qual o pedido, nesse ponto, resta improcedente.
Inclusive, Carli (2018) já pensando em uma possível problemática sobre o reconhecimento da fixação dos alimentos para os animais, de forma brilhante elencou:
Não é justo que uma só das partes arque com todas despesas. Todavia, ao afirmar que essas despesas assumem caráter de pensão alimentícia, estaríamos aceitando que em um futuro cumprimento de sentença poderia ocorrer a prisão do devedor pelo não pagamento, por exemplo.
Ou seja, inviável a utilização do termo “pensão alimentícia” para os animais, eis que abririam brechas para um eventual cumprimento de sentença sob o rito da penhora (art. 523, CPC) ou até mesmo da prisão (art. 528, CPC), entretanto evidente que há de ter uma fixação alimentícia, mesmo que denominada com outra nomenclatura e com características distintas.
Evidente, nesse momento, que, do mesmo modo que não há uma uniformidade para decidir sobre questões de guarda e visitas, também há decisões divergentes sobre pensão alimentícia aos animais, tornando cada vez mais necessário a regulamentação de fato pare evitar decisões e entendimentos que se contradizem, eis que trata-se de livre convencimento dos magistrados, cumulado com a interpretação analógica, ou seja, cada julgador pode entender de maneira diversa, trazendo total insegurança jurídica à sociedade.
Talvez essa insegurança jurídica e essas decisões conflitantes esteja perto do fim. Em maio de 2022 uma ação chegou à 3ª Turma do STJ o REsp 1.944.228, para decidir sobre pagamento de pensão para subsistência de animais (MIGALHAS, 2022).
A fundamentação da ação é de que a mulher, após a dissolução da união estável, teve que arcar sozinha com o custeio dos cães adquiridos durante a união estável. A sentença foi parcialmente procedente para fins de condenar o homem ao ressarcimento dos valores gastos, além de fixar uma “despesa” mensal no valor de R$ 500,00 até a morte ou alienação dos cães.
Note-se, que não houve a menção do termo pensão alimentícia, justamente para não haver confusão com a verba de natureza alimentar relativa aos filhos. Ou seja, considerando, até o momento, essa distinção de verba.
Após recurso, o v. acórdão em 2ª instância manteve a sentença, também entendendo pela mantença dessa “despesa” mensal em favor dos cães.
Agora, no STJ, caberá aos ministros decidirem sobre o caso, já sabendo que a decisão poderá ter efeito no país todo, eis que servirá de apoio às novas decisões ou normativas que poderão ser criadas. Trata-se, portanto, de uma possibilidade imensa de dar início ao entendimento que os animais podem ser considerados como sujeitos de direito e, em consequência, discutir sobre eventuais outros direitos que possam adquirir.
6 DECISÕES E JURISPRUDÊNCIAS
Tendo como base a conceituação de todos os princípios basilares do direito que possam ser utilizados ao caso concreto que tenha animal, insta trazer o que os tribunais vêm decidindo no caso concreto.
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII -“proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita – inerente ao poder familiar – instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1713167 SP 2017/0239804-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2018)
Vê-se que a decisão em comento tratou sobre a ausência de normativa expressa para o caso concreto em relação aos animais não humanos, utilizando o entendimento analógico para reconhecer o direito de visitas ao animal de estimação do ex-casal, haja vista a existência plena da relação afetiva.
Essa relação afetiva vem sendo demonstrada como característica essencial à discussão de guarda dos animais.
Corroborando com o reconhecimento da possibilidade de se discutir guarda para os animais, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo assim decidiu no Agravo de Instrumento nº 22074432320198260000.
GUARDA DE ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO. DECISÃO QUE REVOGOU A COMPARTILHADA LIMINARMENTE DEFERIDA. RECURSO PROVIDO. Guarda de animais de estimação. Insurgência contra decisão que revogou a guarda compartilhada dos cães, com alternância das visitas. Efeito suspensivo deferido. Afastada a preliminar de não conhecimento suscitada pelo agravado. Possibilidade de regulamentação da guarda de animais de estimação, seres sencientes, conforme jurisprudência desta C. Câmara e deste E. Tribunal. Probabilidade do direito da agravante, em vista da prova da estreita proximidade com os cães, adquiridos durante o relacionamento das partes. Fatos controvertidos que demandam dilação probatória, justificada, por ora, a divisão da guarda dos cães para que ambos litigantes desfrutem da companhia dos animais. Risco de dano à recorrente em aguardar o julgamento final da demanda. Requisitos do art. 300 do CPC configurados. Decisão reformada. Recurso provido. (TJ-SP – AI: 22074432320198260000 SP 2207443-23.2019.8.26.0000, Relator: J.B. Paula Lima, Data de Julgamento: 05/11/2019, 10ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/01/2020)
No presente caso, trata-se de ação ajuizada em 2019, cujas partes discutem especificamente sobre guarda dos animais, em equiparação clara à guarda aos filhos. Deferida a liminar à parte autora, o requerido interpôs agravo de instrumento que definiu a propriedade única aos animais (como se fossem meros bens). Revogada a liminar, a parte requerente interpôs outro agravo de instrumento, alegando não ser o caso de propriedade, mas de fixação de guarda. No julgamento do agravo, houve entendimento expresso sobre a possibilidade de litigar sobre guarda dos animais, com fundamento do laço afetivo entre humanos e animais, deferindo a liminar para que ambos pudessem desfrutar da companhia do animal. Vê-se, portanto, os danos que a ausência de normativa expressa e a não uniformidade de entendimento pode causar às partes litigantes e, sobretudo, aos animais de estimação.
Em outra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mesmo que tratando principalmente sobre competência, pode-se notar que o juiz de primeiro grau entendeu pela fixação da guarda compartilhada aos animais, deferindo o prazo de 15 dias consecutivos aos litigantes.
COMPETÊNCIA – Ação de regulamentação de guarda compartilhada de animais de estimação proposta contra convivente – Casal separado de fato – Decisão de primeiro grau que defere pedido de tutela de urgência e determina que cada parte permaneça pelo prazo de quinze dias consecutivos com os animais – Agravo interposto pelo réu – Distribuição livre à 1ª Câmara de Direito Privado – Competência declinada com fundamento na competência da Terceira Subseção da Seção de Direito Privado – Discussão acerca da guarda compartilhada de animais de estimação adquiridos no curso da união estável a ser dissolvida – Competência recursal de uma das Câmaras da Primeira Subseção, da Seção de Direito Privado (1ª a 10ª) – Artigo 5º, incisos I.9, da Resolução nº 623/2013 – Conflito de competência suscitado nos termos do artigo 200, combinado com o artigo 32, § 1º, ambos do Regimento Interno – Agravo não conhecido (TJ-SP – AI: 20399305920218260000 SP 2039930-59.2021.8.26.0000, Relator: Carlos Henrique Miguel Trevisan, Data de Julgamento: 08/03/2021, 29ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 08/03/2021).
Também do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, imperioso destacar o presente caso em que as partes, em ação de divórcio litigioso, requereram pensão alimentícia em prol dos animais e que, segundo entendimento do relator desembargador Edson Luiz de Queiróz, não há que se falar em pensão alimentícia, ante a ausência de personalidade jurídica dos animais, entretanto entendeu pela fixação de “auxílio financeiro” visando a mantença desses animais.
Ou seja, no caso em comento, muito embora contrário ao termo de pensão alimentícia, imprescindível mencionar e frisar que houve fixação de um valor aos animais, mesmo que a título de “auxílio financeiro”.
Apelação cível. Divórcio litigioso cumulado com partilha de bens e alimentos à filha menor. Reconvenção visando guarda unilateral dos seis animais de estimação pertencentes às partes, acrescido de auxílio financeiro para despesas de cada um deles. Acordo parcial. Sentença de parcial procedência para decretar divórcio do casal, com partilha de bens, inclusive verba trabalhista. Reconvenção parcialmente provida para decretar partilha dos animais de estimação, sem auxílio financeiro. Apelo de ambas as partes Recurso da ré. Descabida pensão alimentícia em favor de animais, pois desprovidos de personalidade jurídica. Cabível arbitramento de auxílio financeiro para manutenção de animais de estimação. Aquisição dos animais pelo casal na constância do casamento. Atribuição ao autor rateio de despesas. Gastos comprovados. Auxílio financeiro em favor dos seis animais em 15% (quinze por cento) do salário mínimo. Fixado marco final a morte do último animal. Sentença reformada, neste ponto. Recurso autor. Verba trabalhista. Partilha devida. Valores referem-se a contrato de trabalho que vigorou durante a constância do casamento. Comunicabilidade dessa verba. Aplicação conjugada da regra do art. 1.659, I e 1.660, V, ambos do Código Civil. O fato gerador de créditos trabalhistas ocorre no momento em que se dá o desrespeito, pelo empregador, aos direitos do empregado, fazendo surgir uma pretensão resistida. Sob esse contexto, se os acréscimos laborais tivessem sido pagos à época em que nascidos os respectivos direitos, não haveria dúvida acerca de sua comunicação entre os cônjuges, não se justificando tratamento desigual causado pelo inadimplemento. Decisão irretocável. Fixação de honorários recursais. Aplicação da regra do artigo 85, § 11, CPC/2015. Verba honorária majorada para 20% (vinte por cento) do valor atualizado da causa, observada a gratuidade da justiça concedida ao autor. Resultado. Recurso do autor não provido, parcialmente provido o recurso da ré. (TJ-SP – AC: 10145005620198260562 SP 1014500-56.2019.8.26.0562, Relator: Edson Luiz de Queiróz, Data de Julgamento: 07/12/2021, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 07/12/2021)
Outra decisão de suma importância, visando demonstrar entendimento diverso, é ao da Ação Cível, cujo relator é o desembargador Moreira Veigas.
Pela ementa da decisão, não se vislumbram discussões relativos aos animais, mas pelo em seu Inteiro Teor, vê-se tratar-se de processo requerendo, além de outras providências, a fixação de alimentos aos animais.
O relator entendeu que a pensão alimentícia aos animais é totalmente descabida ante a falta de amparo legal para o requerimento. Entretanto, na sua linha de raciocínio há reconhecimento do poder judiciário no que tange a guarda e direito de visitas aos animais, exceto ao da pensão, diante do status jurídico de bem, o qual caracteriza pela necessidade do possuidor em arcar com os gastos, paralelamente aos gastos que teria caso fosse qualquer outro bem.
Portanto, no presente caso, houve entendimento de que os animais, para esse fim, são considerados como bens.
RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL – Partilha- Bens adquiridos em sub-rogação de bens anteriores particulares que devem ser excluídos- Bens móveis que devem ser partilhados- Inexistência de dívidas comprovadas ao término da união estável- Inexistência de direito à percepção de alimentos por animal de estimação- Fixação de verba sucumbencial- Sentença reformada em parte – Recurso parcialmente provido. (TJ-SP – AC: 10030535120178260268 SP 1003053-51.2017.8.26.0268, Relator: Moreira Viegas, Data de Julgamento: 11/05/2020, 5ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/05/2020)
Partindo-se para o órgão superior, o Superior Tribunal de Justiça, ao decidir o REsp 1713167, concluiu que, muito embora haja essa relação de afeto para com o animal, certo é que há grande divergência de considerar o animal como sujeitos de direito, devendo ser tratado como bens, à luz do Código Civil.
Nesse passo, discorreram que não estariam tratando sobre guarda dos animais, mas sim sobre “divisão”, equiparando-se aos bens indivisíveis.
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. ANIMAL DE ESTIMAÇÃO. AQUISIÇÃO NA CONSTÂNCIA DO RELACIONAMENTO. INTENSO AFETO DOS COMPANHEIROS PELO ANIMAL. DIREITO DE VISITAS. POSSIBILIDADE, A DEPENDER DO CASO CONCRETO. 1. Inicialmente, deve ser afastada qualquer alegação de que a discussão envolvendo a entidade familiar e o seu animal de estimação é menor, ou se trata de mera futilidade a ocupar o tempo desta Corte. Ao contrário, é cada vez mais recorrente no mundo da pós-modernidade e envolve questão bastante delicada, examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal, como também pela necessidade de sua preservação como mandamento constitucional (art. 225, § 1, inciso VII -“proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”). 2. O Código Civil, ao definir a natureza jurídica dos animais, tipificou-os como coisas e, por conseguinte, objetos de propriedade, não lhes atribuindo a qualidade de pessoas, não sendo dotados de personalidade jurídica nem podendo ser considerados sujeitos de direitos. Na forma da lei civil, o só fato de o animal ser tido como de estimação, recebendo o afeto da entidade familiar, não pode vir a alterar sua substância, a ponto de converter a sua natureza jurídica. 3. No entanto, os animais de companhia possuem valor subjetivo único e peculiar, aflorando sentimentos bastante íntimos em seus donos, totalmente diversos de qualquer outro tipo de propriedade privada. Dessarte, o regramento jurídico dos bens não se vem mostrando suficiente para resolver, de forma satisfatória, a disputa familiar envolvendo os pets, visto que não se trata de simples discussão atinente à posse e à propriedade. 4. Por sua vez, a guarda propriamente dita – inerente ao poder familiar – instituto, por essência, de direito de família, não pode ser simples e fielmente subvertida para definir o direito dos consortes, por meio do enquadramento de seus animais de estimação, notadamente porque é um munus exercido no interesse tanto dos pais quanto do filho. Não se trata de uma faculdade, e sim de um direito, em que se impõe aos pais a observância dos deveres inerentes ao poder familiar. 5. A ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de estimação, sobretudo nos tempos atuais. Deve-se ter como norte o fato, cultural e da pós-modernidade, de que há uma disputa dentro da entidade familiar em que prepondera o afeto de ambos os cônjuges pelo animal. Portanto, a solução deve perpassar pela preservação e garantia dos direitos à pessoa humana, mais precisamente, o âmago de sua dignidade. 6. Os animais de companhia são seres que, inevitavelmente, possuem natureza especial e, como ser senciente – dotados de sensibilidade, sentindo as mesmas dores e necessidades biopsicológicas dos animais racionais -, também devem ter o seu bem-estar considerado. 7. Assim, na dissolução da entidade familiar em que haja algum conflito em relação ao animal de estimação, independentemente da qualificação jurídica a ser adotada, a resolução deverá buscar atender, sempre a depender do caso em concreto, aos fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, com a proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. 8. Na hipótese, o Tribunal de origem reconheceu que a cadela fora adquirida na constância da união estável e que estaria demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, reconhecendo o seu direito de visitas ao animal, o que deve ser mantido. 9. Recurso especial não provido. (STJ – REsp: 1713167 SP 2017/0239804-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/06/2018, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/10/2018)
Destarte, muito embora haja essa ausência de normativa expressa que regulamente os casos de pensão e guarda do animal de estimação, fato é que existe a possibilidade de se utilizar do entendimento analógico, sendo este o entendimento utilizado pelos tribunais.
Entretanto, ante as claras discussões e entendimentos diversos entre juízes, desembargadores e até ministros, evidente que necessária a criação de uma normativa para regulamentar os casos específicos dos animais de estimação, para fins de evitar qualquer dano às partes litigantes e principalmente aos animais de estimação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a análise da evolução histórica dos animais tanto juridicamente quanto civilmente, bem como as mudanças interpretativas da natureza jurídica do animal que, da mesma forma evoluiu de mera coisa para até eventual discussão de sujeitos de direito, verificamos que essa evolução se deu de forma igualitária justamente por conta dos crescentes casos de animais como membros de família por afeto, em contrapartida à diminuição dos casos de filhos de sangue, diante da “facilidade” de se cuidar de um animal de estimação comparado ao de um filho.
Compreendemos, também, que, no passado havia uma relação de domínio entre humanos e animais, sendo o humano a parte “mais forte” da relação, enquanto o animal era mero subordinado para atender as vontades do dominador, porém essa ideia foi desmitificada ao passo que os animais foram se tornando cada vez mais importantes até a criação de um vínculo afetivo, o qual muitas pessoas acabam por considerar o animal como filho ante o sentimento de carinho, cuidado e amor, caracterizando, nesses moldes, a denominada família multiespécie, que é a união de humanos com animais em um laço afetivo.
Vislumbramos que, com a importância dos animais, viu-se, então, a necessidade da criação de institutos próprios que visam a sua proteção, e nesse passo foram criadas várias legislações proibindo os maus tratos e, posteriormente, dando mais importância aos animais no mundo jurídico.
Ademais, comprovamos que, no processo de dissolução matrimonial, seja por divórcio seja pela dissolução da união estável, não só os litigantes sofrem, os animais podem vir a sofrer danos à saúde ante essa mudança não só de afeição, mas de ambiente.
Verificamos que, diante da ausência de normativa expressa que regulamente a guarda, visitas e pensão alimentícia em prol dos animais, o entendimento majoritário é o de utilizar a interpretação analógica dos casos relativos aos filhos para com os animais.
Realizamos, também, pesquisas de decisões e jurisprudências atuais, cujo objeto de discussão era justamente eventual guarda, visitas e pensão alimentícia aos animais, discorrendo sobre a fundamentação utilizada pelos magistrados, desembargadores e ministros e, demonstrando, os conflitos cristalinos que pairam esse assunto.
Identificamos que, muito embora os tribunais vêm utilizando a interpretação analógica para fins de resolver as lides, não há uma uniformização das decisões e tampouco preenche a ausência de regramento específico aos animais, devendo considerar essas interpretações como medidas temporárias até a criação de uma normativa que regulamente os casos dos animais após o fim do vínculo conjugal.
Por fim, analisamos que essas decisões conflitantes trazem insegurança jurídica à sociedade, eis que enquanto um considera que os animais possuem personalidade para ajuizar ação, sendo sujeitos de direito, outros entendimentos do mesmo período, mas com pensamento retrógado, consideram animais como meros bens, objetos de direitos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, Jade Lagune Lanzieri. Direito dos animais sob os aspectos da guarda compartilhada e dano moral em caso de lesão do animal. 1° Edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2018.
BECHARA, Érika. A Proteção da Fauna sob a Ótica Constitucional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, citada por ABDALLA, Annelise Varanda Dante. A proteção da fauna e o tráfico de animais silvestres. Universidade Metodista de Piracicaba, 2007. Dissertação (Pós-Graduação, Curso de Mestrado em Direito). Disponível em Acesso em 09 de maio de 2022.
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho, apresentação de Celso Lafer. Nova edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BOBBIO, Norberto. Teoria geral do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2008, citado por HARET, Florence Cronemberger. Analogia e interpretação extensiva: apontamentos desses institutos no direito tributário brasileiro. Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. 2010. Disponível em Acesso em 03 de maio de 2022.
BOFF, Leonardo. Cuidar da Terra, Proteger a Vida: como evitar o fim do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2010, citado por PEREIRA, Maurício Tavares. A Cosmologia da transformação em Leonardo Boff: Natureza e Humanidade em Harmonia. O Conceito d’As Quatro ecologias rumo ao Cosmocentrismo e ao Biocentrismo. In: 3º Simpósio Regional Sudeste da ABHR, cujo tema é: Laicidade e Pluralismo: Educação, Religiosidade e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: ABHR Sudeste, 2019. Disponível em: Acesso em 02 de maio de 2022
BRASIL. Apelação Cível nº 1003053-51.2017.8.26.0268. 5ª Câmara de Direito Privado. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Desembargador Moreira Veigas. São Paulo, SP. Publicado em 11/05/2020. Disponível em Acesso em 09 de maio de 2022.
BRASIL. Agravo de Instrumento nº 0059204-56.2020.8.16.0000. 7ª Câmara Cível. Tribunal de Justiça do Pará. Relator Desembargador Marcel Guimarães Rotoli de Macedo. Pará, PR. Publicado em 14/09/2021. Disponível em Acesso em 09 de maio de 2022.
BRASIL. Agravo de Instrumento nº 2207443-23.2019.8.26.0000. 10ª Câmara de Direito Privado. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Desembargador J.B. Paula Lima. São Paulo, SP. Publicado em 29/01/2020. Disponível em Acesso em 26 de março de 2022.
BRASIL. Agravo de Instrumento nº 2052114-52.2018.8.26.0000. 7ª Câmara de Direito Privado. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator Desembargador José Queiroz Rubens Queiroz Gomes. São Paulo, SP. Julgado em 23/03/2018. Disponível em Acesso em 05 de maio de 2022.
BRASIL. Agravo de Instrumento nº 2039930-59.2021.8.26.0000. 1ª Câmara de Direito Privado. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Relator Desembargador Carlos Henrique Miguel Trevisan. São Paulo, SP. Publicado em 08/03/2021. Disponível em Acesso em 26 de março de 2022.
BRASIL, Audiência. Após divórcio, ex-marido é condenado a pagar auxílio a cinco cães e um gato. Jusbrasil, 2021. Disponível em Acesso em 03 de maio de 2022.
BRASIL. Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação. População de Animais no Brasil. 2019. Disponível em Acesso em 02 de maio de 202.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 145, de 02 de fevereiro de 2021. Disciplina a capacidade de ser parte dos animais não-humanos em processos judiciais e inclui o inciso XII ao art. 75 da Lei n.º 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, para determinar quem poderá representar animais em juízo. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 05 de maio de 2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.058, de 13 de abril de 2011. Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 02 de maio de 2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.095, de 25 de fevereiro de 2019. Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 02 de maio de 2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1.365, de 05 de maio de 2015. Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade e do vínculo conjugal entre seus possuidores, e dá outras providências. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em . Acesso em. 30 de abril de 2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.670, de 18 de novembro de 2015. Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para determinar que os animais não sejam considerados coisas, mas bens móveis para os efeitos legais, salvo o disposto em lei especial. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em . Acesso em 09 de maio de 2022.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 3.835, de 02 de dezembro de 2015. Dispõe sobre a guarda dos animais de estimação nos casos de separação litigiosa de seus possuidores. Brasília: Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 30 de abril de 2022.
BRASIL. Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934. Rio de Janeiro. Disponível em Acesso em 06 de maio de 2022.
BRASIL. Decreto-lei n° 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República. Disponível em: . Acesso em: 06 de maio de 2022.
BRASIL. Decreto-lei n° 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de introdução às normas do direito brasileiro. Rio de Janeiro, RJ: Presidência da República. Disponível em . Acesso em: 12 de outubro de 2021.
BRASIL. Lei nº 678, de 06 de novembro de 1992. Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em . Acesso em 06 de maio de 2022.
BRASIL. Lei nº 5.197, de 03 de janeiro de 1967. Lei de Proteção à Fauna. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em . Acesso em 06 de maio de 2022.
BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Lei do Divórcio. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: . Acesso em 05 de maio de 2022.
BRASIL. Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996. Regula o § 3° do art. 226 da Constituição Federal. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9278.htm>. Acesso em 05 de maio de 2022.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: . Acesso em: 12 de outubro de 2021.
BRASIL. Lei nº 14.064, de 29 de setembro de 2020. Altera a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, para aumentar as penas cominadas ao crime de maus-tratos aos animais quando se tratar de cão ou gato. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: . Acesso em: 02 de maio de 2022.
BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Lei de Crimes Ambientais. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: Acesso em 13 de março de 2022.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. IBGE – População de Animais de Estimação no Brasil – 2013 – ABINDPET 79. 2013. Disponível em Acesso em 02 de maio de 2022.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1713167. 4ª Turma. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. 2018. DJe. 09/10/2018. Disponível em Acesso em 26 de março de 2022.
CARBONERA, Silvana Maria. Guarda de Filhos na Família Constitucionalizada. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2000. Disponível em Acesso em 09 de maio de 2022.
CAHALI, Yussef Said. Dos Alimentos. 6 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. Disponível em Acesso em 09 de maio de 2022.
CARDOSO, Haydeé Fernanda. Os animais e o Direito: novos paradigmas. Revista Animal Brasileira de Direito. 2007 Disponível em . Acesso em: 12 de outubro de 2021.
CARLI, Hélio Sischini de. A (im) possibilidade de concessão de pensão alimentícia para os animais de estimação. Revista IBDFAM – Família e Sucessões. Edição 28. 2018. Disponível em Acesso em 06 de maio de 2022.
CFMV. Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Disponível em . Acesso em: 07 de novembro de 2018.
CHALFUN, Mery. A Questão animal sob a perspectiva do Supremo Tribunal Federal e os Aspectos normativos da natureza jurídica. Revista de Biodireito e Direito dos Animais. 2016. Disponível em . Acesso em: 12 de outubro de 2021.
CHALFUN, Mery. Paradigmas filosóficos – ambientais e o direito dos animais. Revista Brasileira de Direito Animal, [S.l.]. 2010. Disponível em: . Acesso em: 17 outubro de 2021.
CHAVES, Marianna. Disputa de guarda de animais de companhia em sede de divórcio e dissolução de união estável: reconhecimento da família multiespécie? Belo Horizonte: IBDFam. Instituto Brasileiro de Direito de Família. 2015. Disponível em Acesso em 26 de março de 2022.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo/SP: 1º volume. Saraiva, 2003.
COSTA. Caroline Amorim. Por uma releitura da responsabilidade civil em prol dos animais não humanos. 1º edição. Belo Horizonte, editora Lumen Juris, 2018. Disponível em Acesso em 09 de maio de 2022.
COSTA, Larissa Lopes Moreira da. Guarda compartilhada de animais no divórcio. Universidade Católica de Brasília 2016. Disponível em Acesso em 03 de maio de 2022.
DIAS, Edna Cardozo. A defesa dos animais e as conquistas legislativas do movimento de proteção animal no Brasil. Revista Brasileira de Direito Animal, 2007. Disponível em: Acesso em 13 de março de 2022.
DIAS, Maria Berenice. A família contemporânea brasileira à luz do direito animal. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2019, citada por DA SILVA, Carolina Fernandes Tejero. Guarda compartilhada dos animais de estimação em caso de dissolução da família. 2021. Disponível em Acesso em 16 de março de 2022.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 10ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
DIAS, Maria Ravelly Martins Soares. Família multiespécie e Direito de Família: uma nova realidade. 2018. Disponível em Acesso em 16 de março de 2022.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral do Direito Civil. 29ª edição. Saraiva: São Paulo, 2012. Disponível em Acesso em 09 de maio de 2022.
FARACO, Ceres Berger. Interação humano-cão: o social constituído pela relação interespécie. Porto Alegre, 2008, Tese (Doutorado em Psicologia) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Família. 10ª edição. Salvador: Juspodivm. 2018.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: Direito de Família. 9ª edição. Volume 6. São Paulo: Saraiva. 2019. Disponível em Acesso em 05 de maio de 2022.
GOIÁS, O Mais. Homem é obrigado pela Justiça a pagar pensão para animais de estimação. Direito de Família na Mídia. 2018. Disponível em Acesso em 26 de março de 2022.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito de família. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2015.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: Direito de família. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2018.
LIMA, Maria Helena Costa Carvalho de Araújo. Considerações sobre a família multiespécie. Anais da V Reunião Equatorial, 2015, citada por KELLERMAN, Larissa Florentino e MIGLIAVACCA, Carolina Moares. A guarda compartilhada dos animais domésticos a partir da dissolução matrimonial: estudo de caso. 2018. Disponível em Acesso em 16 de março de 2022.
MADALENO, Rolf. Direito de família. 8º edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2018.
MASSON, Cleber. Código penal comentado: análise completa: legislação, doutrina e jurisprudência. 1ª edição. São Paulo. Método. 2013.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 14ª Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1994, citado por ALMEIDA NETO, Ubaldino. Analogia jurídica e analogia. Completude e justificação. 2002. Disponível em Acesso em 03 de maio de 2022.
MEDEIROS, Janaína. A união estável e a proteção constitucional à família. Monografia. Universidade Estadual da Paraíba. 2011. Disponível em Acesso em 05 de maio de 2022.
MIGALHAS, Redação. Decisão inédita no TJ/PR: Animais podem ser parte em ação judicial. Migalhas, 2021. Disponível em . Acesso em 06 de novembro de 2021.
MIGALAHAS, redação do. Ex deve pagar pensão a cães após separação? STJ decidirá. Migalhas. 2022. Disponível em Acesso em 06 de maio de 2022.
MIGALHAS, redação do. Ex-marido pagará pensão para gatos e cachorro após fim do casamento. – Entrevista com Dra. Mariana Dias. Migalhas. 2019. Disponível em Acesso em 06 de maio de 2022.
NICK, Sérgio Eduardo. Guarda Compartilhada. Monografia. Pós-Graduação do Curso Direito Especial da Criança e do Adolescente. Universidade Estadual do Rio de Janeiro UERJ. Rio de Janeiro, 1996. Disponível em Acesso em 09 de maio de 2022.
OLIVEIRA, Samantha Brasil Calmon de. Sobre homens e cães: Um estudo antropológico sobre afetividade, consumo e distinção. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2006. Disponível em Acesso em 03 de maio de 2022.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos do Homem, 10 de dezembro de 1948. Disponível em Acesso em 13 de março de 2022.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. volume 1. 34ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
ROSA, Conrado Paulino da. Curso de direito de família contemporâneo. 5ª edição. Salvador: JusPODIVM, 2019.
SÃO PAULO. Lei nº 136 de 08 de junho de 1886. São Paulo. Disponível em Acesso em 06 de maio de 2022.
SÃO PAULO. Lei nº 183 de 09 de outubro de 1895. São Paulo. Disponível em Acesso em 06 de maio de 2022.
SILVA, Jaqueline dos Santos. Os animais não humanos sencientes como sujeitos de direitos. 2018. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Balsas. Disponível em Acesso em 05 de maio de 2022.
SOTTO-MAYOR, Maria Clara. RIBEIRO, Ana Teresa. Comentário ao Código Civil, sob coordenação de Luís Carvalho Fernandes e José Brandão Proença. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2014.
SOUZA, Marcos Felipe Alonso de. A condição dos animais no ordenamento jurídico brasileiro. Jusbrasil. 2014. Disponível em Acesso em 03 de maio de 2022.
TEIXEIRA, Osvânia Pinto Lima e XIMENES, Luara Ranessa Braga e. Família multiespécie: o reconhecimento de uma nova entidade familiar. Revista Homem, Espaço e Tempo, volume 11, edição nº 01, 2017. Disponível em: Acesso em 03 de maio de 2022.
UNESCO. Declaração Universal dos Direitos dos Animais. Paris, 15 de outubro de 1978. Disponível em Acesso em 13 de março de 2022.
VALLE, Ana Carolina Neves Amaral do, BORGES, Izabela Ferreira. A guarda dos animais de estimação no divórcio – Academia Brasileira de Direito Civil. Disponível em Acesso em 16 de março de 2022.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Família. 17ª edição. Atlas. 2017. Disponível em Acesso em 05 de maio de 2022.